Comunitário

Introdução

O que é comunidade? O que significa “viver em comunidade” sob o capitalismo? Há muitos exemplos da vida em comunidade ao longo da história. Os cristãos originais, por exemplo, viviam em comunidade, dividiam tudo o que produziam e pescavam. Diversas tribos e povos originários e indígenas, antes da chegada dos portugueses e espanhóis na América, também viviam em comunidade, dividindo inclusive a decisão política, que era tomada por todos. Apesar das várias tentativas de oprimir e acabar com o espírito de comunidade, os oprimidos jamais se calaram. A escravidão acabou com a vida em comunidade dos negros trazidos de maneira forçada para trabalhar nas lavouras de café pelos portugueses. Ainda assim, os negros se organizaram e resistiram. Criaram quilombos, onde negros, índios, brancos e quaisquer oprimidos viviam em comunidade, em comunhão. Isso não quer dizer que tudo era “perfeito”, mas sim que a decisão de como as coisas eram feitas eram tomadas pela própria comunidade.

O capitalismo, em seu desenvolvimento histórico, destrói a vida em comunidade. Em seu surgimento, a primeira coisa que o capitalismo fez foi transformar toda terra em mercadoria. Expulsando milhares de camponeses das suas posses, o capitalismo acabou com a vida em comunidade e exportou esse modelo para todas as partes do mundo. Não existe capitalismo sem a terra/moradia virar mercadoria e não existe vida plena em comunidade sem o controle da terra. Mas o capitalismo, em sua dinâmica econômica, destrói o que une os trabalhadores ao seu local de moradia. Temos aí uma dinâmica que podemos chamar de “estrutural” do sistema capitalista e que cria efeitos sobre nós, trabalhadores(as). Mesmo assim, diferentes formas de resistência popular vão surgindo em distintos contextos históricosociais para enfrentar essa situação.

Uma história mais recente… nos bairros, nas periferias e nas favelas a resistência não acabou!

O Brasil, especificamente o Rio de Janeiro, foi palco da introdução brutal do sistema capitalista. O desenvolvimento das fábricas em território nacional acompanhou a vinda de mão de obra imigrante, a transformação da mão de obra escrava em assalariada (“livre”) e as mudanças das grandes cidades desde o final do século XIX. Nas primeiras décadas do século XX, os trabalhadores organizavam-se em sindicatos revolucionários e moravam geralmente em Vilas Operárias, construídas pelos patrões para controlar os trabalhadores e maximizar seu lucro. Este, por exemplo, foi o caso do bairro de Vila Isabel. É nessa época que a cidade do Rio de Janeiro conhece uma diferença gritante: por um lado temos bairros operários superlotados e moradias pauperizadas, cortiços, onde os trabalhadores se espremiam e por outro, casarões e mansões, onde ricos empresários viviam. Os desmandos das elites e dos patrões também eram frequentes. O “bota abaixo” de Pereira Passos despejou e derrubou cortiços, tudo para adaptar a cidade aos “padrões” capitalistas europeus. Muitos trabalhadores buscaram os morros e comunidades para poder sobreviver, enquanto o salário era cada vez mais achatado (época da luta contra a “carestia”, que era o aumento do custo de vida).

Nunca houve um projeto de moradia popular pelo poder público que privilegiasse as demandas dos trabalhadores. Desse modo, estes foram marginalizados nas periferias e encostas ou eles próprios se organizaram e reafirmaram a ocupação desses territórios. Nas décadas posteriores, o desenvolvimento industrial causado pelo fim da Primeira e Segunda Grande Guerra modificou os traços do “rosto” da cidade do Rio. Apesar de grande riqueza gerada pela produção industrial, os trabalhadores não tiveram acesso a ela. A solução, além da ocupação de morros e encostas, foi morar em bairros afastados dos locais de trabalho, subúrbios, bairros que seguiam a lógica de reprodução do capital (ou seja, não são feitos para o bem estar dos trabalhadores.

Muitas associações de moradores e movimentos populares surgiram e atuaram na década de 60, 70 e 80, onde em muitos anos vivemos uma ditadura militar. Muitos desses movimentos também foram cooptados por partidos políticos na abertura “democrática”. Alguns deles foram a base da formação do Partido dos Trabalhadores (PT), que depois que escolheu a estratégia de tomar o poder deixou o trabalho de base comunitário abandonado ou trocou esse por cargos políticos no governo. Mesmo com a eleição de um “ex-operário” e ex-morador de periferia, nossos problemas não foram resolvidos. E os problemas são muitos: falta de saúde, falta de luz, falta de espaços de lazer, fechamento de escolas, transporte, educação etc. As periferias, as favelas e os bairros de trabalhadores sofrem com o descaso do governo, a especulação imobiliária, a ganância dos capitalistas, a violência policial, a falta de serviços básicos, a distância muito grande do trabalho, os transportes precarizados, o que faz do espaço comunitário um espaço de luta e resistência! Pois onde há problemas e descaso do poder público, há trabalhadores/as se organizando e lutando para resolvê-los!

A Luta comunitária e popular de base e os desafios que teremos

Quando atuamos no bairro, na favela, na periferia e nas ocupações, pensamos nos seus lugares, na sua gente, no seu imaginário e na forma de se organizar para lutar. Lutar para resolver os problemas do nosso povo, problemas que foram criados pelo capitalismo e que não serão resolvidos pelos governos sem pressão popular e mobilização coletiva (já dizia uma faixa numa manifestação: “Político é como feijão, só funciona na pressão”). Não adianta nos iludirmos esperando que os que criam os problemas, e se beneficiam desses problemas, serão aqueles que nos ajudarão a resolver nossas questões.

Enfrentamos uma produção ideológica fortíssima, de um sistema social de dominação, que joga o povo contra o povo ou que tenta ensinar o povo a ser “empreendedor”. Isso significa normalmente incentivar, não a economia popular coletiva ou o trabalho autônomo, mas sim iludir o povo, de que a mudança do real estado de coisas é individual, tornando-se um explorador. Enquanto isso, os que estão em posições de poder se aproveitam da exploração e dominação para impor o seu reinado. Neste sentido, nos formamos no calor das dificuldades que encontramos para organizar nosso povo. Na favela e nos bairros da periferia há ONGs, em sua maioria “vivendo” da miséria sem denunciar sua causa ou, pior, explorando o povo com apoio de empresas, há igrejas, há políticos de direita, mas movimentos sociais são poucos. Apesar de minoritários, esses movimentos sociais resistem, geralmente com independência, articulando questões sociais e manifestações culturais.

Quando atuamos enquanto movimento social, muitos pensam logo, mais um “querendo virar político” ou mais um “querendo um cargo remunerado numa ONG”. Ao contrário das ONGs, nossa luta é no cotidiano, não cria “profissionais” remunerados e não é uma luta assistencialista. É autônoma e não depende de financiamento de governos e empresas. Enfrentamos também o individualismo e a apatia política criada por este sistema que só nos quer ativos de 2 em 2 anos, nas eleições e trabalhando de segunda a segunda.

Queremos construir um povo forte, um povo organizado. Somos desempregados, estudantes, professores, trabalhadores informais (camelôs), donas de casa, vizinhos e vizinhas! O que nos une é o fato de termos escolhido um lado, o lado dos(as) trabalhadores(as), dos(as) oprimidos(as). Sabemos que não vai ser só o trabalho comunitário que mudará a sociedade. Precisamos de sindicatos fortes, movimentos de trabalhadores rurais fortes para poder construir o poder popular! Mas sem a atuação nos locais de moradia dos trabalhadores não temos como avançar.

Quais são as necessidades do nosso povo? Como podemos resolvê-las juntos, agregando cada vez mais trabalhadores(as) para nossos movimentos sociais? Como podemos construir um movimento comunitário e de base que dê soluções para os problemas da nossa comunidade? Quais são as ferramentas de luta que temos e que podemos usar? Como podemos construir um movimento popular e comunitário que una os trabalhadores(as) do morro e do asfalto?

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